Friday, August 24, 2007

Mais uma constataçào da pilhagem nas bibliotecas

Alunos de História elaboram carta sobre as bibliotecas e museus de SP

Publicado em: Quarta, 22 de Agosto de 2007 - 15:03:51 (GMT)Um grupo de alunos do curso de História, da Unicsul, elaborou uma carta-manifesto intitulada Memórias cultural e histórica. Preservá-las. Para quê?, com o objetivo de alertar sobre a crescente subtração ilegal de peças das bibliotecas e museus públicos da cidade de São Paulo. Leia o conteúdo da carta: Preservá-las. Para quê?Tornou-se corriqueiro, e não rotineiro (felizmente), o anúncio de notícias sobre furtos e roubos de objetos de nossos museus e bibliotecas. O mais recente foi descoberto no último dia 6 de agosto e "vitimou" o Museu Paulista, mais conhecido por Museu do Ipiranga. Do local, os assaltantes de memórias levaram 900 cédulas e moedas raras, que estavam "guardadas" cuidadosamente num armário. Causa espanto a série de absurdos que se verificam nesse último caso. Para não dizer descaso. Primeiro que as chaves do setor de numismática ficam com uma única pessoa - quando o ideal seria que houvesse um mecanismo para impedir o "monopólio" dessa segurança: por que não pensar numa chave-segredo em que a abertura só poderia ser desvendada com duas ou mais partes? Depois que a falta dessas mesmas chaves foram sentidas por vigilantes de uma empresa terceirizada que atua no museu. Sumiço esse registrado em livro. Posteriormente, foi ressaltado que as chaves foram encontradas "indevidamente com um funcionário". Logo, a professora Ângela Maria Gianeze Ribeiro, não pode ser indicada como a "única pessoa que tem as chaves da sala invadida". A incoerência com o bem público não se verifica apenas por esses detalhes. Assombra que cédulas e moedas raras sejam tratadas como coisas quaisquer, que podem ser amontoadas dentro de armários trancados. Onde ficam o zelo e cuidados cobrados dos pesquisadores, que são bombardeados com uma cartilha de comportamentos para poderem acessar as salas secretas do museu? Isso porque, o "pente-fino" nas intenções do pesquisador que se dirige ao Paulista, vai desde a anotação do número do seu RG, passando por uma comunicação via rádio de que visitantes entrarão nos "labirintos secretos" do museu. Com a ressalva de que não é permitido assistir qualquer processo de restauração, ou ter contato direto com alguma peça do acervo. Precauções tomadas depois dos furtos ocorridos no Rio de Janeiro, na Biblioteca Nacional, em 2005. O mesmo não deveria ser cobrado de quem realmente é pago para zelar por nossas memórias? O descaso com o Museu Paulista é apenas a ponta do iceberg com a memória do nosso País e os tesouros que desembarcaram por aqui. "Os homens fazem sua própria historia, mas não a fazem arbitrariamente, nas condições escolhidas por eles, e sim nas condições diretamente herdadas do passado", como já havia ressalvado Karl Marx. Não se pode negar que o homem é um reflexo do seu passado e somente o conhecimento deste pode trazer as armas necessárias para transformação do futuro. A tradição de todas as gerações passadas pesa de forma decisiva sobre a consciência dos vivos. Afinal de contas não foi por isso que os grandes nomes da história lutaram para estar com seus nomes eternizados na memória coletiva? A memória é a eternização deste passado formador e transformador das identidades futuras que não pode ser tratado com descaso. Enquanto se cobra comportamento adequado dos visitantes e estudiosos que se dirigem diariamente ao museu, percebe-se que entidades de destaque televisivo são recebidas com tapete vermelho para gravar cenas dentro do museu, com seus trilhos e aparelhos de iluminação que agridem todas as orientações para a conservação e preservação dos raros registros presentes em objetos e obras de arte do museu, fazendo do bem público algo particular. Mas o descalabro não pára por aí, quando se percebe que as alamedas do jardim servem de pano de fundo para desfiles de moda e apresentações das tendências de primavera-verão. Deve-se ressaltar que até shows musicais nos jardins do Parque da Independência, onde está o Paulista, foram permitidos pelo Executivo municipal. Administração que, ressalte-se, até hoje não explicou quais foram as medidas efetivas adotadas para evitar que novos furtos, como os ocorridos no ano passado na quase centenária Biblioteca Mário de Andrade (fundada em 1926) voltem a acontecer -atualmente a biblioteca passa por reformas patrocinadas com verbas da Petrobras. Da Mário, foram furtadas preciosidades como um livro de orações datado de 1501, impresso em pergaminho, e gravuras dos séculos 18 e 19, até hoje não foram recuperadas. Em todas essas ocorrências, foram aventadas a participação e facilitação de funcionários. Oras, se as câmeras de vídeos funcionassem plenamente, e não apenas fazendo figuração - como os bonecos Ricardões inventados pela CET, na década de 1990, para "fiscalizar" os carros que circulam diariamente pelas marginais paulistas - poderíamos, através das imagens, saber como os assaltantes puderam esconder e transportar moedas e cédulas, que pela data de suas produções (datadas do início do século 20) não passariam de maneira imperceptíveis a olhos nus. Se esse tipo de crime continua a despontar no noticiário, é porque o tráfico ilegal de bens culturais ainda é tido como um dos mais praticados no mundo - perde apenas para o tráfico de drogas e armas. Se existe assaltante, é porque existe comprador. Por isso, o Brasil, rico em registros históricos, precisa adotar iniciativas para reduzir essas práticas. Fato não pedido apenas por um grupo de universitários, mas também destacado por José Nascimento Júnior, diretor do Departamento de Museus e Centros Culturais do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que opinou sobre o fato em setembro do ano passado. "É preciso reconhecer as deficiências da gestão das instituições de cultura e criar mecanismos eficientes de combate às ações criminosas contra os bens culturais", disse o professor na época. Quando declarou isso, Nascimento Júnior também informou que o Iphan abriria edital para financiar projetos de segurança nas instituições de cultura, em parceria com a Petrobras, num valor total de R$ 3 milhões. Ele também aconselha que em cada sala de museu brasileiro haja um vigilante, bem como detectores de metal em todos os acessos, ainda que as medidas pareçam ultrapassadas ante a tecnologia usada pelo crime. E pequenas ante a grandiosidade de memória que um museu abrange. Até porque, as verbas destinadas à segurança parecem insuficientes. Saiu do papel? Parece que não, já que mais uma vez fomos espoliados de nossos tesouros, e o máximo que as "autoridades" fazem é ouvir possíveis suspeitos, sem chegar aos verdadeiros culpados ou co-responsáveis por essas situações. Por outro lado, a alienação está ligada à ausência de reconhecimento no valor do patrimônio cultural, somada à sensação de impotência por desconhecer qual atitude tomar. Indecisa, boa parte da população aguarda ação de seus governantes, desprovida de sua ação cidadã, exceto para votar, quando dá "carta branca" àqueles que detêm o poder, o que lhes é muito conveniente. Até quando casos como o do Museu Paulista, os furtos de moedas do Museu da República e do acervo de fotografias de Dom Pedro e cerca de 900 documentos iconográficos da Biblioteca Nacional continuarão a acontecer? Será que teremos de engolir que "é tudo coisa velha mesmo" e são apenas "peças de museus"? A conscientização sobre o valor do nosso patrimônio cultural é imprescindível na construção da identidade, como bem disse Pedro Paulo Funari: "Não há identidade sem memória (...) aqueles que perdem suas origens, perdem sua identidade também." O acesso ao acervo de nosso patrimônio cultural material não só possibilita o aprofundamento dos conhecimentos existentes, mas também a construção de novos entendimentos da realidade e de sua transformação. Já dizia Mário de Andrade, que "o verdadeiro museu não ensina repetir o passado, porém a tirar dele tudo o quanto ele nos dá dinamicamente para avançar em cultura dentro de nós, e em transformação dentro do progresso social".
Atenciosamente,Alunos de História da Universidade Cruzeiro do Sul

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